segunda-feira, 7 de novembro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

®KEEP WALKING, BRAZIL.


No início dos tempos, na parte sul das Américas, habitava um gigante. Um dos poucos que andavam sobre a Terra.
Gigante pela própria natureza, e sendo natureza ele próprio, era feito de rochas, terra e matas, que moldavam sua figura. Pássaros e bichos pousavam e viviam em seu corpo e rios corriam em suas veias. Era como um imenso pedaço de paisagem que andava e tinha vontade própria.
Caminhava com passadas vastas como vales e tinha a estatura de montanhas sobrepostas. Ao norte, em seu caminho, encontrava sol quente e brilhante nas quatro estações do ano. Ao sul, planaltos infindáveis. A oeste, planícies e terras cheias de diversidade. E a leste, quilômetros e quilômetros de praias onde o mar tocava a terra gentilmente, desde sempre. Havia também uma floresta como nenhuma outra no planeta. Tão grande, verde e viva que funcionava como o pulmão de todo o continente à sua volta.
Mesmo diante de tudo isso, um dia, enquanto caminhava, o gigante se inquietou.
Parou então à beira-mar e ali, entre as águas quentes do Atlântico e uma porção de terra que subia em morros, deitou-se. E, deitado nesse berço esplêndido, olhou para o céu azul acima se perguntando: "O que me faz gigante?".
Em seguida, imaginando respostas, caiu em sono profundo.
Por eras, que para os gigantes são horas, ele dormiu. Seu corpo gigantesco estirado, o joelho dobrado formando um grande monte, uma rocha imensa denunciando seu torso titânico e a cabeça indizível, coberta de árvores e limo.
Dormiu até se tornar lenda no mundo. Uma lenda que dizia que o futuro pertencia ao gigante, mas que ele nunca acordaria e que o futuro seria para ele sempre isso: futuro.
No entanto, com o passar do tempo ficou claro que nem mesmo as lendas devem dizer "nunca".
Depois de muito sonhar com a pergunta sobre si, o gigante finalmente despertou com a resposta.
Acordou, ergueu-se sobre a terra da qual era parte e ficou de frente para o horizonte.
Tirou então um dos pés do chão e, adentrando o mar, deu um primeiro passo.
Um passo decidido em direção ao mundo lá fora para encontrar seu destino.
Agora sabendo que o que o faz um gigante não é seu tamanho, mas o tamanho dos passos que dá.



®KEEP WALKING, BRAZIL.

Agonia

Certos momentos da vida nos levam a buscar soluções pra muitas das nossas manias, das nossas frustrações, muitos dos nossos medos, que apesar do bom humor, têm o poder de nos hipinotizar e nos levar ao mais profundo dos abismos emocionais. Há uma música do cantor e compositor Oswaldo Montenegro que reflete exatamente uma das saídas que alguns de nós pegamos para si, aprimoramos e assim, sobrevivemos. Aí vai ela:

"Se fosse resolver
iria te dizer
foi minha agonia.
Se eu tentasse entender
por mais que eu me esforçasse
eu não conseguiria.
E aqui no coração
eu sei que vou morrer
um pouco a cada dia.
E sem que se perceba
a gente se encontra
pra outra folia.
Eu vou pensar que é festa
vou dançar, cantar,
é minha garantia.
E vou contagiar diversos corações
com minha euforia.
E a amargura e o tempo
vão deixar meu corpo,
minha alma vazia.
E sem que se perceba
a gente se encontra
pra outra folia.

Superação?

Serra da Canastra é um dos lugares mais lindos e emocionantes que já conheci. Além do descanço e o contato (literal) com a natureza, há outros atrativos. A comida, por exemplo. Tipicamente mineira, apresenta uma das melhores dietas do planeta que o fazem comer o dia todo. Mas o melhor ainda não é isso. A escalada da Serra, situada no Parque Nacional da Canastra, reserva ambiental que elogio desde já sua preservação, acho que seja mais interessante.
Há duas maneiras de se conhecer o início do rio São Francisco: pela maneira fácil e pela difícil (assim dizem as placas no pé da Serra). Claro, nosso guia e amigo escolheu a maneira mais difícil, tendo em vista a proibição de há quase dois anos de subir os 3 mil metros e, consequentemente, descer.
Começamos a escalada todos muito animados, eu particularmente tenho uma resistência física impressionante, apesar do sedentarismo milenar. Enquanto não visualizava nenhum penhasco, tudo foi dentro da mais perfeita normalidade: ajudava outros aventureiros, ria das piadas e prestava atenção à paisagem.
Quando esses tais penhascos começaram a aparecer (talvez estivéssemos a uns 1,5  mil metros), parei de prestar atenção à paisagem e passei a me interessar mais pelo caminho por onde deveria pisar. Até então tudo sob controle. Chegamos ao início da cachoeira, e obviamente não consegui ir até a ponta, que poderia visualizar pessoalmente a imagem mais linda que jamais teria visto se não fossem as fotografias que todos (exceto eu) tiraram.
A partir desse momento comecei a me descontrolar. Sabia que agora seria a descida. Meu Deus! Era o pânico de altura chegando!
O caminho de volta foi um martírio. Precisei do meu marido mais do que jamais precisei de alguém em toda a minha vida! A respiração passou do estágio de ofegante para quase fibrilação. Comecei a chorar. Não o choro de tristeza ou alegria, com todo aquele soluço e tal. Um choro descompensado, descontrole de caimento das lágrimas, um tremer involuntário, sentei e não conseguia mais levantar. Não de cansaço, de pânico. Afinal de contas, são 3 mil metros!
Eu tinha que sair de lá.
Do jeito que falo, parece até que estava em um campo de batalha, do tipo que tem sido há mais de dois mil anos praqueles lados do Oriente Médio. Era só a Canastra!
Passei a focar somente em meus passos, e quando dei por mim, já podia visualizar o início de nossa caminhada. Graças a Deus!
Me perguntaram o por quê de ter subido, tamanho o medo que se manifestou em mim. Disse que tentava superar esse meu distúrbio. Um médico amigo meu disse que não deveria ter ido lá. É instinto de sobrevivência. Adorei saber que o que senti é instinto de sobrevivência. Quer dizer que uma parte de mim (e acho que é a maior dela, tamanho grau de medo) quer viver, e muito! E não me intimidarei com outras Canastras, outros 3 mil metros, outros penhascos. A aventura é fantástica, a energia absorvida daquela natureza praticamente intacta renovaram meus neurônios, enfim, não deixarei de encher minha vida DE VIDA!!!!

domingo, 25 de setembro de 2011

Ainda sobre a amizade...

"E um adolescente disse: "Fala-nos da Amizade."
 
E ele respondeu, dizendo:
"Vosso amigo, é a satisfação de vossas necessidades.
Ele é o campo que semeias com carinho e ceifais com agradecimento.
E vossa mesa e vossa lareira.
Pois ides a ele com vossa fome e o procurais em busca da paz.
Quando vosso amigo manifesta seu pensamento, não temeis o "não" de vossa própria opinião, nem prendeis o sim.
E quando ele se cala, vosso coração continua a ouvir o seu coração,
Porque na amizade, todos os desejos, ideais, esperanças, nascem e são partilhados sem palavras, numa alegria silenciosa.
Quando vos separeis de vosso amigo, não vos aflijais
Pois o que vós ameis nele pode tornar-se mais claro na sua ausência,
Como para o alpinista a montanha aparece mais clara, vista da planície.
E que não haja outra finalidade na amizade a não ser o amadurecimento do espírito,
pois o amor que procura outra coisa a não ser a revelação de seu próprio mistério não é o amor, mas uma rede armada, e somente o inaproveitável é nela apanhado.
E que o melhor de vós próprio seja para o vosso amigo.
Se ele deve conhecer o fluxo de vossa maré, que conheça também o seu refluxo
pois que achais seja vosso amigo
para que o procureis somente a fim de matar o tempo?
Procurai-o sempre com horas para viver.
Pois o papel do amigo é o de encher vossa necessidade, e não vosso vazio.
E na doçura da amizade,
que haja risos e o partilhar dos prazeres.
Pois no orvalho de pequenas coisas,
o coração encontra sua manhã e se sente refrescado."
(Khalil Gibran)

Sobre a amizade...

Michel de Montaigne diz sobre sua amizade com Etienne de La Boétie:


“Se compararmos a afeição com as mulheres à nossa amizade, não poderemos, embora nasça de nossa escolha, colocá-la no mesmo rol: seu ardor, confesso-o, é mais ativo, mais abrasador, mais áspero; mas vem de uma chama temerária e volúvel, ondulante e vária; é um ardor de febre, sujeito a acessos e a quedas, e, e que nos prende apenas por um lado.Na amizade, o calor é generalizado, temperado, aliás, e igual; um calor constante tranqüilo, feito de doçura e polidez, que nada tem de áspero nem de pungente.

Mais ainda: o amor não passa de um desejo impetuoso por algo que nos foge....Em verdade aquilo que nós damos comumente o nome de amizade não passa de conhecimento ou de familiaridade, estabelecido ao acaso ou por interesse, e através do qual nossas almas se comunicam.

Na amizade a que me refiro, mesclam-se as almas, e se confundem em tão completa união, que se apaga e não mais se descobre a costura que as prende. Se insistirem em perguntar-me por que eu o queria, sinto que não o poderia exprimir, senão respondendo:”Porque ele era ele e eu era eu”(...)

...Nós nos procurávamos antes mesmo de nos termos visto, através de referencias ouvidas um do outro e que tinham sobre nossa afeição maior força do que as relações; creio que por disposição especial do Céu.

Abraçávamo-nos pelos nossos nomes e, no nosso primeiro encontro, que ocorreu por acaso durante uma grande festa na cidade, achamo-nos tão próximos, tão íntimos, tão ligados um ao outro, que nada nos pareceu, desse então, mais unido do que nós...

Desde o dia em que o perdi arrasto-me desalentado; e os próprios prazeres que se me oferecem, em vez de consolar-me, aumentam a amargura de sua perda.

Tudo dividíamos pela metade e hoje tenho a impressão de que lhe roubo a sua parte.

Já me achava tão acostumado e afeito a ser o segundo em tudo, que me parece ser agora apenas uma metade..."


Montaigne teve uma amizade especial também por Maria de Gournay, a quem chamava "filha por afinidade", ele dizia:

"por certo querida muito mais que paternalmente, e conservada no meu retiro e na minha solidão, como uma das melhores partes de meu próprio ser."

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"[...] se se quiser manter aberta a relação entre a linguagem e o visível, se se quiser falar não de encontro a, mas a partir de sua incompatibilidade, de maneira que se permaneça o mais próximo possível de uma e de outro, é preciso então pôr de parte os nomes próprios e meter-se no infinito da tarefa" FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas.

Homenagem a Jorge Luís Borges

"Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção".
Jorge Luís Borges

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Edith Piaf L'Hymne à l'amour

Para minha avó...

O sono que desce sobre mim,

O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim -
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...


Fernando Pessoa

Outros dias...

OUTROS DIAS VIRÃO, será entendido
o silêncio de plantas e planetas
e quantas coisas puras passarão!
Terão cheiro de lua os violinos!

O pão será talvez como tu és:
terá tua voz, tua condição de trigo,
e falarão outras coisas com tua voz:
os cavalos perdidos do outono.

Ainda que não seja como está disposto
o amor encherá grandes barricas
como o antigo mel dos pastores,

e tu no pó de meu coração
(onde haverá imensos armazéns)
irás e voltarás entre melancias.

Pablo Neruda

quinta-feira, 10 de março de 2011

Sonhos

"Há quem diga que todas as noites são sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado".
Willian Shakespeare - "Sonhos de Uma Noite de Verão"
"A música é capaz de reproduzir em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria"
Ludwing van Beethoven (1770-1827)
"A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros"
Friederich Nietszche
"Eu me uso como forma de conhecimento.
Minha vida começa pelo meio, aí vai o meio. Depois o princípio aparecerá ou não. [...] No que precedo o acontecimento - é lá que eu vivo. Espero viver sempre às vésperas. E não no dia. O presente só existe quando ele é lembrança e só existe quando vai ser.
Estive à beira de compreender o tempo, eu senti que sim. Mas logo em seguida ao leve vislumbre, tive a espécie de medo de penetrar sem nenhuma lógica na matéria que me pareceu de súbito sagrada:
Não esquecer: hoje é agora. Ressoam os tambores anunciando o sem-começo e o sem-fim. Abrem-se as cortinas. Eu sinto que a realidade é tridimensional. Por quê? Não consigo explicar. O que sinto é no sem-tempo e no sem-espaço. O tempo no futuro já passou. [...] Eu conheço o seguinte: estar plena do nada. Isso é resultado de uma longa e penosa aprendizagem. [...] Nada começou e nada terminará. Inclusive não existe a palavra 'sempre' pois ela se refere a 'tempo' e 'tempo' só existe em nós referindo-se a uma coisa se transformar em outra. (A essa transformação chamamos tempo.) Mas o tempo em si não é. O tempo é o indefinível. Eu me coloco bem depressa no tempo, antes de morrer. A vida é muito rápida, quando se vê se chegou ao fim. E ainda por cima somos obrigados a amar a Deus".
(Apud BORELLI, Olga. Clarice Lispector - Esboço para um possível retrato, pp. 15-8)
"Que esforço eu faço para ser eu mesma. Luto contra uma maré de mim"
(Apud BORELLI, Olga. Clarice Lispector - Esboço para um possível retrato, p. 12)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sublimar-se

Ansiedade, transtorno de humor, pânico, depressão. Males da modernidade? Males do século XXI? No século XVIII também ocorreu uma epidemia assim. As pessoas também morriam de amor, de ódio, de tristeza. De acordo com o senso comum, a depressão é definida como "frescura", falta do que fazer, falta de Deus, dentre outros adjetivos e adjuntos difíceis de qualificá-los. Mas, na realidade, depressão é difícil de se definir. Tudo começa com a tristeza: a pessoa passa a emocionar-se exageradamente com qualquer coisa, desde um sonho fatalístico, um filme romântico, até o absurdo de uma promoção de molho de tomate. As lágrimas brotam sem serem esperadas, sem motivo aparente aos olhos dos outros. Os outros. "O inferno são os outros", afirmou o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. E aí vem de novo o senso comum. Para este, o outro é o "estrangeiro", o desconhecido. Talvez por isso colocamos "o outro" sempre em maus lençóis. Mas Freud, em sua psicanálise, diz que o "estrangeiro" somos nós mesmos, o desconhecido em nós.
A verdade é que não nos conhecemos. Todo o mal que acomete determinado momento da vida humana é determinado pelo desconhecimento do próprio potencial, do próprio valor diante da vida. O homem se perdeu dos seus próprios valores. E o que acontece quando se está perdido? Desespero, desequilíbrio, ansiedade, tristeza, depressão.
Dormir menos do que se deve, trabalhar mais do que se pode, lazer nunca. A falta do dinheiro que tem movido o planeta desde sua invenção, a facilidade - tão difícil para a maioria - de se obter o que não tem valor algum além do falso prestígio. Não me lembro quem disse que, quando se quer felicidade, devemos seguir sentido contrário ao que faz a maioria.
A depressão corrói, esmaga, frustra, desengana, destrói. É o cancro da alma. É afundar-se em um mundo imaginário, assim como uma anorexia - a visão não reflete a verdade. A visão é distorcida, monstruosa, quase que esquisofrênica - a descoberta de que tudo em que se acreditava era mentira. E quando se descobre o tempo perdido... Só resta recomeçar. Consertar, sublimar, estar acima do bem e do mal.
Porque " a vida é assim: esquenta e esfria, aperta daí agrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (Guimarães Rosa)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fim da jornada

Hoje. Mais um dia. Só não igual a outros tantos dias, tão rotineiros que até nos esquecemos. Como conceber a morte? Fim de jornada, descanço eterno, passagem. Muitos já escreveram, definiram e explicaram o fenômeno, sempre sob a ótica de quem se foi. Foi pra onde? Por quê? E quem ficou? Como atender ao esperado - "foi melhor assim", "agora descançou", "estava sofrendo"? Como aceitar que as pessoas que simplesmente amamos ou fizeram-se amar, pessoas que conhecemos nem sei desde quando, podem nos deixar? Elas sempre foram tão "eternas"...
Desde criança criamos imagens e símbolos pra nos sentirmos protegidas, amadas. Seres imortais que se apresentam a nós como nossos pais, avós, tios. E aí, de repente, sem pedir ou explicar,  inicia-se uma trajetória de despedidas sem a menor intenção de nos poupar.
Como é que se pode conseguir viver assim? Sempre se despedindo desses dias tão iguais, dos amores tão universais, tão secretos e tão nossos, desses seres que sempre achamos que viveriam para sempre.
Egoístas? Sempre. Porque a nossa dor é sempre maior que a do outro, eis a verdade sobre os sentimentos humanos.
A morte é só o princípio - do caminho de quem fica, reavendo princípios, resgatando valores - e do caminho de quem vai, resgatando glórias ou dissabores... reaprendendo a viver.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Felicidade

Felicidade está em alta. Saiba que depois de tantos encontros e desencontros com a vida, o ser humano tenta mudar o foco e entender o que o motiva a ser feliz. Já lhe ocorreu que o que consumimos são bens temporários, que a felicidade está nas coisas mais simples da vida? Pois é. Graças a Deus que a grande maioria tem conseguido sair do senso comum e se direcionar para outro caminho: o do bem-estar. Manuel Bandeira já seguia esse preceito - se apegar, com bom humor, às coisas simples da vida.
O que te faz bem? O que te deixa tão compenetrado, que se as horas passam como se fossem segundos? O que te deixa em estado de flow? Tenho certeza de que não tem nada a ver com dinheiro, cargos ou títulos.
A ciência iniciou há algum tempo pesquisas voltadas à subjetividade, às emoções e, consequentemente, à felicidade. Então, pode se concluir que já é um passo para o aprimoramento do nosso futuro como pessoas felizes.
Olhar e ver a paisagem que emoldura o quadro da nossa existência: o nascer do sol, os pássaros, a natureza, os filhos que nos foram confiados, a família que nos foi dada, os amigos que - como Shakespeare definiu muito bem - são a família que nos permitiram escolher.
Parafraseando Aristóteles, a felicidade é o bem-estar da alma, e é aí que entram os nossos esforços para encontrarmos o verdadeiro motivo de estar vivo: ser feliz.

Il bene e il male

Il bene e il male camminano insieme. Quando siamo bambini, impariamo la differenza e scegliamo il cammino per camminare in tutta la nostra vita. Il male è il cammino più corto per ottenere beni materiali, avere denaro, sempre senza scrupolo con le persone. Ma nella ora della resa dei conti, alle volte, prima della morte, la persona a guarda indietro e vede quanto male ha praticato, cominciando dalla sua sofferenza.
Già il bene non ciporta nessuna sofferenza, appena felicità. Fare il bene al prossimo è un regalo per il cuore che più riceve che da. Il cammino è più lungo, ma è pieno di fiori e profumi.
Adesso, quale hai scelto? Il bene o il male?

Vanessa-Mae plays Toccata & Fugue

Rostropovich Bach Cello Suite No.1 Prelude

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Pra onde vão os trens meu pai? Para Mahal, Tami, para Camiri, espaços no mapa. E depois o pai ria: também pra lugar algum, meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti" Hilda Hilst

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A arte da educação

A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros.
Friederich Nietzsche

Todo assunto relacionado ao “humano” é amplo e complexo. E toda essa
complexidade é definida de acordo com o direcionamento do pensamento, que contribui para a formação do ser. Este ser é visto como processo, virtualidade, parte de uma matéria desfragmentada e se unem num processo de afinidade – processo de estabilidade, que pode ser denominado aqui como metaestruturação ou ainda metaestabilidade.
A metaestabilidade é quase um processo de formação de algo novo, conhecimentos novos, mudanças novas, comportamentos novos, e os processos históricos nos trazem os parâmetros para que haja essa transformação estável.
Podemos nos remeter à Revolução Francesa, no século XIX. É correto afirmar que esse período foi o “inaugurar” da modernidade, pois trouxe modificações de alguns conceitos já estabelecidos. Anterior a este momento, Deus e monarca eram a fusão plena da soberania – a fala do rei era embebida do poder divino. Com o advento da Revolução Industrial, houve a dita mobilidade social, a qual progrediu de tal modo que as seguranças tradicionais não existem mais.
Cada período histórico se pensa a realidade que em sua época era eficiente, e a ideia de forma e matéria incorporou-se ao senso comum. Uma das principais questões da fenomenologia é: de que fundamenta o ser humano? O homem quer um papel destacado na natureza, e a fenomenologia descreve as experiências originárias estruturais do corpo.
O corpo é afetado a todo momento – em diferentes graus de potência. Mas, primeiro o conhecimento empírico, a ciência vem depois. Cada época tem uma experiência ontológica que, consequentemente, segue o rumo da
linguagem: LINGUAGEM – EXPERIÊNCIA – NARRAÇÃO.
E é no processo de mudança de conceitos que encontramos Gilles Deleuze. A filosofia de Deleuze é antidoxa, rompe com o senso comum. Faz o pensamento acontecer, já que o senso comum não deixa o indivíduo pensar – é contra a “verdade absoluta”. Apresenta a teoria do caos como causalidade, que são ocorrências múltiplas e recorrentes, convergentes e
divergentes. Faz uma filosofia para se pensar na imanência e não na transcendência, ou seja, pensar os acontecimentos como fluxos, sem recorrer a nenhum plano, sem recorrer a Deus.
Pode-se ter ideias que se conjugam e se fortalecem, mas uma ideia não produz outra, um pensamento não produz outro. A linguagem é o sujeito de enunciação e o sujeito do enunciado. Se não há palavras (signos) e sujeito, não há linguagem e, consequentemente, não há ideia ou pensamento algum.
Em Mil Platôs V. 3, Deleuze cita o surgimento da linguagem, por volta de 10.000 a. C., que representa o movimento antropomórfico – o surgimento de sinais de expressão. Desde os primórdios é possível afirmar que a linguagem não é para informar, pois é uma concepção representacionista. A linguagem é ordem – imposição ao outro, é potencialidade. E a
construção de potências de novas palavras de ordem é chamado devir poder.
A vida social é de conflito o tempo todo, promovido pelo conceito e os dogmas da moral, levando a cada vontade de potência querer ir até às últimas consequências. Toda palavra e sua estrutura é de ordem, e acusa toda sua virtualidade. É preciso rizomatizar, virtualizar. A vontade de potência surge no momento em que é possível se libertar de conceitos antigos para aprimorar em outros novos – os chamados insights.
Toda linguagem como forma de expressão possui um “rosto”, pode-se denominar como rostidade ou rostificação. Não é apenas um rosto, é uma máquina abstrata, virtualidade. Os códigos demonstram a intencionalidade da expressão e não a intenção do comunicador. Na visão de Deleuze, a semiótica não é somente formada por significante e significado – sentido,
e sim significante/subjetivante – rostificação/rostidade, chamada por ele de semiótica mista.
Pode-se afirmar que a literatura é construída através de uma semiótica mista. A literatura assim como seus autores são transformados por uma ética voltada para a vida, não para a moral do ressentimento, e sua linguagem revela superação, experimentação, o próprio devir. Há introspecção no imaginário; não há literatura sem fabulação. A fabulação não consiste em imaginar ou criar um “eu”, eleva-se aos devires ou potências. Criar personagens cuja história narramos a nós mesmos – além do meu “eu” – assume singular intensidade de vida. A faculdade fabuladora é a que vai nos salvar quando a vida estiver se perdendo – o “eu” –, causando enfraquecimento do individualismo, nos colocando em outros mundos com outros princípios e outras realidades, enfraquecendo a auto-suficiência do indivíduo.
A função fabuladora ainda desempenha um papel social que, na preponderância do indivíduo, cria realidades em outras perspectivas, as religiões e crendices criam representações que fogem à realidade produzida pela inteligência. O humano é o ponto de chegada, na filogênese, da evolução social, pois a sociedade é construída pela inteligência, revelando o instinto adormecido no ser humano.
É preciso experimentar, e a fabulação leva às reais experimentações (ação antes, razão depois). A meta é o que movimenta o indivíduo, é tirar da moral as linhas de fuga que ainda estão por ali, é romper com a identidade.
As pessoas estão buscando nixos que possam oferecer portas que as levem a conhecer a si mesmas. São levados a subjetivar-se por si mesmos. Deve-se arriscar no mundo de hoje, principalmente no campo ético, onde o sujeito é convidado a se arriscar sem garantias de respostas, pois a tradicionalidade se desintegrou. Jaques Lacan já se remetia a essa
problemática, pois a moralidade é tentadora. É uma garantia que nos leva a ser sob os moldes da moral. Sofre-se pelas certezas, pelo que se acredita piamente.
A experimentação leva a um fluxo de ideias, transforma-o em códigos, levando à formação de máquinas desejantes. Na educação, esse fluxo é o conhecimento. A aprendizagem se faz inconscientemente, é um caso particular de desejo, é uma conjunção de valores éticos e lógicos, valorizados pela experimentação.
Condicionamento não leva a pensamento. O pensamento é dito como processo de subjetivação, ou constituição de modos de existência e, ainda, a invenção de novas possibilidades de vida, conforme os conceitos de Nietzsche.
O ato de pensar se tornou obsoleto, não existem mais pensadores. Em nossa
atualidade, a educação deve fazer alguém ser capaz de criar e aprimorar habilidades, capacitar o campo psíquico intrínseco ao campo das ideias, ao campo criativo. Em contrapartida, a conectividade com a virtualidade desta época tem sido o foco principal para a integração ou
exclusão do indivíduo. A exemplo do livro “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, o sujeito tende a seguir em uma “cegueira” capitalista, desde os insentivos criativos quando bebê até à escolha de sua pós-graduação. O sujeito é compelido a um assédio de informações sem conjecturas para não estar atrás da corrente sistêmica, em correspondência aos nixos supracitados.
Aprender não é um ato de adequação ao registro da representação, mas sim agenciar-se com a aprendizagem através da experimentação, é a corporificação do conhecimento. A aprendizagem não é analítica ou reflexiva. A repetição é o caminho para a corporificação. Em suma, aprender é experimentar constantemente, atentando para suas variações e mutações.
Sempre será possível ao espírito científico variar-lhe as condições, em suma sair da contemplação do mesmo para buscar o outro [...]. Precisar, retificar, diversificar são tipos de pensamento dinâmico que fogem da certeza e da unidade, e que encontram no sistema homogêneo mais obstáculos do que estímulo.
A vida é uma obra de arte. Assim como uma bateria de testes, a educação engloba a vida com toda sua singularidade, subjetivando os processos criativos, gerando e dinamizando os diversos domínios do saber, experimentando incansavelmente, levando em consideração a afirmação de Deleuze:"É preciso considerar a filosofia, a arte e a ciência como espécies de linhas melódicas estrangeiras umas às outras e que não cessam de se interferir [...] o que é preciso ver é que as interferências entre linhas não derivam da vigilância ou da reflexão mútua. Uma disciplina que se desse por missão seguir um movimento criativo vindo de alhures abandonaria ela mesma toda função criadora".

Por Fabiana de Almeida