quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nascer



Se eu tivesse nascido homem, teria aproveitado melhor a infância. Aproveitaria mais e melhor as brincadeiras; assistiria a todos os filmes de criança; teria corrido e caído mais. Subiria em todas as árvores, comeria as frutas e teria um cachorro.
Se eu tivesse nascido homem, teria sido forte. Turbinaria meus músculos; seria atleta; jogaria vôlei, basquete – teria altura para isso; aproveitaria melhor minha adolescência. Minha força também estaria nas palavras, embora fosse melhor não usá-las. O olhar já bastaria.
Se eu tivesse nascido homem, teria tido amigos. Amigos verdadeiros e poucos. Mas seria amigo de todos os que passassem por mim. Teria sido mais engraçado também. Olharia a vida com mais otimismo e não me importaria tanto com tudo.
Se tivesse nascido homem, teria estudado mais. Estudaria para mim, para o meu futuro. Estudaria o que gostasse e seria bom nisso. Teria um bom emprego, e isso porque não seria um trabalho enfadonho, mecânico, operacional. Seria o trabalho dos meus sonhos, portanto, divertido.
Se eu tivesse nascido homem, faria mais amor e menos sexo. Daria netos melhores aos meus pais.  Netos que seguiriam a minha inteligência, a minha força, e amariam aos meus pais tanto ou mais do que eu.
Se eu tivesse nascido homem, teria uma mulher incrível. Que gostasse de viajar, de conversar, de ler. Que gostasse de música e de mim. E quando envelhecêssemos, estaríamos felizes pela vida que tivemos, e poderíamos morrer em paz.
Mas, se eu tivesse nascido mulher, teria sido menos tímida e mais engraçada. Teria aproveitado mais a minha infância nas brincadeiras de roda, de rua e nas só de meninas. Teria menos medo.
Se eu tivesse nascido mulher, teria sido bonita. Beleza que todo mundo nota, não de corpo, mas de alma. Teria curtido melhor a minha adolescência, ido a mais discotecas, a bibliotecas, a teatros e a saraus de música. Seria poeta.
Se eu tivesse nascido mulher, teria estudado também. Estudar me daria liberdade, autonomia, independência. Teria lido mais.
Se eu tivesse nascido mulher, faria mais sexo e menos amor, e quando chegasse a hora, teria a graça de ser mãe. E teria a sensibilidade de cuidar, de ninar, de ensinar a vida. E meus filhos seriam bons netos aos meus pais. E também teriam sensibilidade, astúcia e amor.
Se eu tivesse nascido mulher, teria um homem forte. Que gostasse de filmes, de rir e de brincar. Que gostasse da natureza e de mim. E quando envelhecêssemos, estaríamos felizes pela vida que tivemos, e não teríamos medo da morte, pois teríamos a certeza de que nos encontraríamos em breve.
E quando eu nascer – se é que nascerei – é possível que me esqueça. E é possível que a vida se torne dolorosa. E intensa. E intolerável. Mas ainda assim, viverei. E não fará diferença em ser homem ou mulher. E encontrarei pessoas em meu caminho que me farão lembrar, e aprender a enxergar a sutil presença da oportunidade e do encontro.

Por Fabiana de Almeida

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