domingo, 17 de fevereiro de 2013

Mulher e mãe
Por Fabiana de Almeida

Sexta-feira passada estava eu saindo de um curso e vi meu filho dirigindo, levando meu pai a algum lugar. Isso me despertou um orgulho tão grande que me percebi sorrindo pela rua.
Em lembrar todos os anos em que encarnei uma leoa para cuidar dele, descobri uma nova mulher em mim.
Desde quando o esperava já nutria esse sentimento de fêmea. Materno nos termos racionais.
Tempos de sofrimento, humilhação e falta de recursos valeram a pena pelas alegrias, pelo amor e respeito que recebo desse menino. Menino porque para as mães seus filhos nunca crescem. Minha avó chamava meu pai - que nesse tempo tinha uns 60 anos - de "meu botão de rosa".
A cena do meu filho me fez lembrar de uma reportagem de alguns anos atrás, na qual apresentava a força da mulher, enquanto mãe. E não se falou da força emocional, espiritual ou psicológica. Essa todo mundo já sabe. Falou da força física, cuja descarga de adrenalina promove milagres quando o objetivo é proteger ou salvar a vida do filho. Duas das histórias contadas não esqueço jamais, e me chamaram a atenção pela coragem e desprendimento daquelas mães. E me vi nelas.
O primeiro caso foi o de uma criança de, acho que aproximadamente 2 anos, brincava no térreo do prédio em que morava, quando não sei porque cargas d´água o portão da garagem se soltou e caiu sobre a criança. Sua mãe não teve dúvidas: levantou o portão de não sei quantos quilos e, se posicionando de cócoras, colocou-se sob o portão e o ergueu até que pudesse resgatar seu bebê são e salvo, exceto por alguns ossos quebrados devido ao peso do objeto.
Outra história foi a de uma família em férias na Flórida. Todos sabemos que esse é o paraíso dos crocodilos. Pois bem, o filho com 7 anos não obedece à placa que alerta para não se aproximar da água e é imediatamente abocanhado por um crocodilo. Sua mãe se joga pra cima do crocodilo, abre sua bocarra e o pai tira o filho dali. Cena insólita, mas aconteceu. Sabe a força de um crocodilo dentro da água? Pois é. Que mãe não faria qualquer dessas façanhas? Que mãe não carrega o instinto de salvação dos filhos?
Não é só a sobrevivência da espécie. A esse comportamento posso dar o nome de amor. Amor pelo ser que geramos e o esperamos durante nove meses, amor pelo primeiro sorriso dirigido a nós e pelo primeiro som dito que entendemos ser "mamãe". E por aí vai, até chegar ao momento da minha visão no começo dessa narrativa.
E o orgulho que sinto só aumenta sempre que estamos juntos. Essa é a parte da minha vida da qual não me arrependo e que só me enriquece e me ilumina, e me faz prosseguir sempre.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013



Entrega
Por Fabiana de Almeida

: eis que me entrego ao Amor. Amor assim mesmo, com letra maiúscula. O Amor verdadeiro, maior e mais bonito. Amor que não necessita, mas precisa. Amor que ilumina, que transcende, que bate descompassadamente, desconexo e calmo. Que vibra as células do meu corpo, treme a carne e descansa nos perfumes mixados, sublimes.
Entrego-me ao Amor sem dúvida, sem não ou talvez, sem culpa nem pudor. Amor intangível, indizível, ininteligível. Entrego-me porque simplesmente. Entrego-me. Amor incondicional, sem fronteiras, que se instala sem ondes e nem quandos.
Amor que entorpece e tange o intransponível, que segue lado a lado. Amor, fonte de vida nas minhas entranhas, fortaleza de minha razão, que entontece e significa.
Amor que regurgita força, que enobrece e protege. Entrego-me ao Amor cego, e que sem enxergar, vê. Amor que, em sua infinitude, irradia pelos meus poros, luz do meu ser, e que faz de mim um instrumento.
Entrego-me. Sem passado. Um futuro ainda a ser escrito. Mas ainda assim, entrego-me. Sossego enquanto me entrego, e posso vislumbrar os mais audaciosos sonhos. Vislumbro ainda o amadurecer de uma nova era, de um novo começo, ad libitum. E assim nasce a vida, a minha vida, o objeto da minha entrega subjetiva, do meu Amor...



SER MULHER

Por Fabiana de Almeida


Ser mulher...
Quem se habilita?
Quem se habilita a aceitar sua cultura, usar a burca e ainda se sentir vista, se sentir bela?
Quem se habilita a submeter-se aos fetiches masculinos e ter seus pés enfaixados, dilacerados, minimizados a uma flor de lótus?
Quem se habilita a admirar-se diante da estranheza de exibir inúmeras argolas douradas envoltas em seu pescoço que o elevam em centímetros?
Quem se habilita a ser vendida, usurpada ou objeto de troca ou de investimento, e ainda viver?
Quem se habilita a viver - apesar de sobreviver - após a mutilação genital pública, imunda?
Quem se habilita a guerrear, a lutar pela terra, pela raça, pela crença, pela vida, pelo direito?
Quem se habilita a travar uma luta diária, quase intermitente, para ser forte e não esmorecer?
Quem se habilita a suportar a violência doméstica, a humilhação, a desonra, e ainda se sentir humana?
Quem se habilita a cuidar do marido, dos filhos e também dos filhos dos outros; cuidar da casa, do jardim, trabalhar horas ininterruptas, e ainda ser...?
Quem se habilita a ser mãe... Parir quantas vezes quiser ou forem necessárias para que possa ter um objetivo?
Ser mulher...
Quem é capaz?
Quem é capaz de ser Helena, que abandonou seu reino espartano para viver um grande amor troiano?
Quem é capaz de ser Maria, cuja resignação trouxe à luz o maior Homem do mundo?
Quem é capaz de mudar o mundo, de tocar a alma humana, de enxergar o invisível, de compreender o inteligível?
Quem é capaz de minimizar as dores, suavizar os dissabores, ser o pavio que acende a chama da vida?
Quem é a guardiã de corpos, capaz de amar o desconhecido em seu ventre mais do que a si mesma?
Afegãs, chinesas, muçulmanas, africanas, mulheres girafa. Americanas, brasileiras, italianas, francesas.Camponesas, lixeiras, lavradoras, executivas, professoras, estudantes.
Quantas Marias e quantas Helenas, ainda que anônimas, serão capazes? Capazes de fazer milagre?
Ser mulher... A doce e dolorida tarefa de ser o milagre.



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

ROTINA


Durma. Acorde. Pratique exercícios físicos. Corra. Trabalhe. Beba água. Alimente-se corretamente. Trabalhe. Estude. Namore. Tenha lazer. Passe roupa. Lave louça. Tome banho. Hidrate-se. Coma frutas. Use protetor solar. Proteja seu ouvido, sua voz, seu nariz. Não fume. Não beba. Trabalhe. Estude. Se beber, não dirija. Pratique exercícios mentais. Assista a filmes. Ouça boa música. Seja crítico. Durma cedo. Leia. Brinque. Trabalhe. Estude. Interaja. Esteja nas redes sociais. Pesquise. Espiritualize-se. Conviva. Perdoe. Tenha paciência. Não discuta. Silencie. Trabalhe. Estude. Tenha filhos. Cuide dos filhos, da casa, do carro. Tenha plantas. Regue-as. Dirija com responsabilidade. Namore. Use camisinha. Tome anticoncepcional. Tome vitaminas. Vá ao médico, ao dentista, ao nutricionista, à academia. Corra. Vá de ônibus, de bicicleta. Viaje. Proteja-se. Vá à igreja, ao centro espírita, ao templo budista. Case-se. Eduque-se. Reeduque-se. Trabalhe. Estude. Participe. Tenha responsabilidade. Seja voluntário. Ajude. Previna-se. Estude. Trabalhe.
Poluição sonora, visual. Camada de ozônio. Confusão. Desequilíbrio. Marasmo. Rotina. Tempo. Falta de. Depressão. Pânico. Bipolaridade. Antidepressivo. Ansiedade. Antiansiolítico. Irregularidade nos exames de sangue, de urina. Rede eletrônica. Sustentabilidade. Eletroencefalograma. Eletrocardiograma. Falta de ar. Poluição do ar. Poluição mental.
Avalie. Reveja. Ilumine-se! Mude! Coragem! Não fique à margem. Esteja! Seja!

Por Fabiana de Almeida

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nascer



Se eu tivesse nascido homem, teria aproveitado melhor a infância. Aproveitaria mais e melhor as brincadeiras; assistiria a todos os filmes de criança; teria corrido e caído mais. Subiria em todas as árvores, comeria as frutas e teria um cachorro.
Se eu tivesse nascido homem, teria sido forte. Turbinaria meus músculos; seria atleta; jogaria vôlei, basquete – teria altura para isso; aproveitaria melhor minha adolescência. Minha força também estaria nas palavras, embora fosse melhor não usá-las. O olhar já bastaria.
Se eu tivesse nascido homem, teria tido amigos. Amigos verdadeiros e poucos. Mas seria amigo de todos os que passassem por mim. Teria sido mais engraçado também. Olharia a vida com mais otimismo e não me importaria tanto com tudo.
Se tivesse nascido homem, teria estudado mais. Estudaria para mim, para o meu futuro. Estudaria o que gostasse e seria bom nisso. Teria um bom emprego, e isso porque não seria um trabalho enfadonho, mecânico, operacional. Seria o trabalho dos meus sonhos, portanto, divertido.
Se eu tivesse nascido homem, faria mais amor e menos sexo. Daria netos melhores aos meus pais.  Netos que seguiriam a minha inteligência, a minha força, e amariam aos meus pais tanto ou mais do que eu.
Se eu tivesse nascido homem, teria uma mulher incrível. Que gostasse de viajar, de conversar, de ler. Que gostasse de música e de mim. E quando envelhecêssemos, estaríamos felizes pela vida que tivemos, e poderíamos morrer em paz.
Mas, se eu tivesse nascido mulher, teria sido menos tímida e mais engraçada. Teria aproveitado mais a minha infância nas brincadeiras de roda, de rua e nas só de meninas. Teria menos medo.
Se eu tivesse nascido mulher, teria sido bonita. Beleza que todo mundo nota, não de corpo, mas de alma. Teria curtido melhor a minha adolescência, ido a mais discotecas, a bibliotecas, a teatros e a saraus de música. Seria poeta.
Se eu tivesse nascido mulher, teria estudado também. Estudar me daria liberdade, autonomia, independência. Teria lido mais.
Se eu tivesse nascido mulher, faria mais sexo e menos amor, e quando chegasse a hora, teria a graça de ser mãe. E teria a sensibilidade de cuidar, de ninar, de ensinar a vida. E meus filhos seriam bons netos aos meus pais. E também teriam sensibilidade, astúcia e amor.
Se eu tivesse nascido mulher, teria um homem forte. Que gostasse de filmes, de rir e de brincar. Que gostasse da natureza e de mim. E quando envelhecêssemos, estaríamos felizes pela vida que tivemos, e não teríamos medo da morte, pois teríamos a certeza de que nos encontraríamos em breve.
E quando eu nascer – se é que nascerei – é possível que me esqueça. E é possível que a vida se torne dolorosa. E intensa. E intolerável. Mas ainda assim, viverei. E não fará diferença em ser homem ou mulher. E encontrarei pessoas em meu caminho que me farão lembrar, e aprender a enxergar a sutil presença da oportunidade e do encontro.

Por Fabiana de Almeida

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O filósofo Bento de Spinoza legou alguns conselhos para serem vividos no seio da religião. Utilizando sempre a primeira pessoa, ele coloca na boca de Deus palavras que deveriam ser entendidas e guardadas pelos homens para viver a verdadeira religião.

Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho de mar.
Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que eu seja?
Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu te sentes grato?
Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido? Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.